Uma criança que nasce com uma perna nunca teve a experiência de possuir duas pernas. Pra ela, desde o nascimento, lidar com apenas uma perna é algo normal.
Porém, quando essa criança aparece no social, apontam-lhe o dedo e perguntam "o que aconteceu com tua outra perna?". Possivelmente essa criança aprenderá a dizer "nasci sem ela". E aquilo que para ela era normal se torna "a falta de uma perna". A sociedade a tratará como pessoa com deficiência, dando-lhe um tratamento especializado não oferecido a pessoas sem deficiência, pessoas que não nasceram com essa falta.
Nascida num mundo feito para pessoas com duas pernas, fica a tarefa de se adaptar com a sua "falta de perna".
Não se trata de questionar os serviços e projetos de inclusão para pessoas com deficiência. Mas percebem como o sentido de "normal" não vem da criança, vem da sociedade? Isso porque quem define a norma não é essa criança, mas o mundo ao seu redor.
Por que não seguir a norma precisa significar não ser normal?
Por que se o nosso normal não segue a norma sentimos como se não fossemos normais?
Por que precisamos da afirmação do outro para nos sentirmos bem sendo como somos?
Na nossa sociedade, não seguir a norma (regras estabelecidas) pode autorizar o Estado intervir no nosso direito de ir e vir. Então nos desassociar da norma numa sociedade de normalidades pode oferecer riscos a nossa integridade física.
Comecei num exemplo de questão física, mas podemos expandir para a questão de saúde mental. O que se propõe quando dizem para internarmos os loucos?
Não há aí um não dito que diz "caso teu psicológico ofereça algum risco à sociedade, devemos ter a autorização de te tirar de circulação"?
Enquanto sociedade, precisamos de regras mínimas para sobreviver em segurança. Mas qual o limite da sociedade em influenciar e se introduzir no nosso senso de normalidade?
Por exemplo, alguma vez você já se afirmou não ser normal sem ninguém ter te dito que você não é?
Será que o ideal de normas da sociedade não acaba, muitas vezes, nos distanciando tanto do nosso ideal que quando nos aproximamos da nossa singularidade acabamos correndo o risco de não nos reconhecermos como normais?
E com isso acabamos caindo no engodo de afirmar quais sentimentos são normais ou não, quais emoções são certas ou erradas, quais atitudes são aceitáveis e quais não são, quais escolhas podem e quais não podem.
Você duvida da tua "normalidade" por conta da régua ou do ideal dos outros?